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17 junho 2010

Camuflagens!

Ana Jácomo
Precisei recuar alguns passos do lugar onde as ondas emocionais quebram para me perguntar por que, afinal, eu estava tão irritada. O dia mal acordara e a minha paciência já havia anoitecido, não foi difícil perceber na interação com os primeiros movimentos da manhã. Se eu continuasse exatamente ali, exposta à arrebentação, à mercê dos caprichos daquele mar, era bastante provável que as águas me puxassem cada vez mais para dentro daquela emoção. Não seria bacana, eu sabia.


O mar muitas vezes me puxa, e há de me puxar incontáveis vezes sem que eu possa recuar, mas naquele instante consegui perceber a estranheza da emoção no contexto, e recuei. Na areia, menos misturada com as ondas, pude sentir a pergunta e compartilhá-la com o meu coração. Pude tocá-lo. Pude, finalmente, permitir que falasse. Rememoramos, lembrança por lembrança, os acontecimentos mais próximos dali até que, de repente, num determinado ponto, ele marejou, e me contou que eu não estava exatamente irritada, eu estava mesmo era triste.


A irritação era a tentativa grosseira de esconder uma tristeza pela qual eu não estava aceitando chorar, talvez por medo. A irritação era a casca espessa que cobria uma tristeza engasgada. A irritação era um disfarce fajuto. Era um desses jeitos transitórios de defesa. Era a manifestação equivocada de uma dor que eu tentei represar. Bobagem isso de contermos, às vezes, o nosso choro. Chorar lava. Cria espaço. Ajuda a desapertar. O embaraço começa é quando não assumimos o sentimento da vez, seja lá qual for.


Algumas tristezas não são tão isoladas como, para facilitar o processo, costumamos considerar. Algumas tristezas doem num volume tão alto que acordam as tristezas vizinhas de porta. Algumas, inclusive, são capazes de acordar andares inteiros da memória, um alvoroço só. Tentamos fugir disso, de várias maneiras, sempre que dá, mas não dá para fugir pra sempre. A fuga é só adiamento quando a dor continua à espreita, inventando disfarces, crescendo em silêncio.


Chorei. Pela tal tristeza e pela vizinhança acordada. A irritação? Que irritação?

Despertar...

Ana Jácomo

Eu vim aqui me buscar. E aqui parecia ser longe, muito longe do lugar onde eu estava, o medo costuma ver as distâncias com lente de aumento. Vim aqui me buscar porque a insatisfação me perguntava incontáveis vezes o que eu iria fazer para transformá-la e chegou um momento em que eu não consegui mais lhe dizer simplesmente que eu não sabia. Vim aqui me buscar porque cansei de fazer de conta que eu não tinha nenhuma responsabilidade com relação ao padrão repetitivo da maioria das circunstâncias difíceis que eu vivenciava. Vim aqui me buscar porque a vida se tornou tediosa demais. Opaca demais. Cansativa demais. Encolhida.

Vim aqui me buscar porque, para onde quer que eu olhasse, eu não me encontrava. Porque sentia uma saudade tão grande que chegava a doer e, embora persistisse em acreditar que ela reclamava de outras ausências, a verdade é que o tempo inteirinho ela falava da minha falta de mim. Vim aqui me buscar porque percebi que estava muito distante e que a prioridade era eu me trazer de volta. Isso, se quisesse experimentar contentamento. Se quisesse criar espaço, depois de tanto aperto. Se quisesse sentir o conforto bom da leveza, depois de tanto peso suportado. Se quisesse crescer no amor.

Vim aqui me buscar, com medo e coragem. Com toda a entrega que me era possível. Com a humildade de quem descobre se conhecer menos do que supunha e com o claro propósito de se conhecer mais. Vim aqui me buscar para varrer entulhos. Passar a limpo alguns rascunhos. Resgatar o viço do olhar. Trocar de bem com a vida. Rir com Deus, outra vez. Vim aqui me buscar para não me contentar com a mesmice. Para dizer minhas flores. Para não me surpreender ao me flagrar feliz. Para ser parecida comigo. Para me sentir em casa, de novo.

Vim aqui me buscar. Aqui, no meu coração.

14 junho 2010

Metade de mim...



Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca;
Porque metade de mim é o que eu grito,
Mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe
Seja linda, ainda que tristeza;
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante;
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade...

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
E nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta
A um homem inundado de sentimentos;
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo...

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço;
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada;
Porque metade de mim é o que penso
Mas a outra metade é um vulcão...

Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo
Se torne ao menos suportável;
Que o espelho reflita em meu rosto
Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
A outra metade eu não sei...

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais;
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço...

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade para faze-la florescer;
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção...

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade... também.

08 junho 2010

Não me deixe viver o que posso, que me seja permitido desaprender os limites ...
{ Fabricio Carpinejar }